quarta-feira, 16 de junho de 2010

Artigo: A TRAJETÓRIA DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL

A TRAJETÓRIA DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL

GLÓRIA REGINA GRAÇANO SOARES

gloriagracano@yahoo.com.br

(Abril/ 2005)



Ao longo da história da educação no Brasil, houve sempre uma grande dicotomia entre os valores proclamados e os valores reais, e apesar de leis aparentemente perfeitas, continuamos a vivenciar o analfabetismo, a repetência, evasão, falta de condições mínimas de ensino etc.

No período colonial, o propósito explícito de converter os índios à fé católica camuflava a real sujeição a que eles foram submetidos e à imposição dos costumes europeus. A escola pública nesta época corresponderia à pedagogia jesuítica.

Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, a reforma pombalina tenta implantar Aulas Régias e uma escola pública estatal com idéias iluministas, sem sucesso. No Império não foram alcançados os objetivos estabelecidos em forma de leis: o ensino primário para todos, curso secundário regular e universidade.

Na República, continuamos com a fidelidade a essa regra: muda-se a lei e não a realidade. Começam, então, as tentativas “descontínuas e intermitentes de organizar a educação pelo poder público.” (SAVIANI, 2004, p.20)

Dermeval SAVIANI (ibidem) faz uma análise histórica e divide a trajetória da escola pública em três períodos, respectivamente relatados a seguir.



1.1- AS ESCOLAS GRADUADAS E O IDEÁRIO DO ILUMINISMO (1890 – 1931)

Após a abolição de escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889) instaurou-se no Brasil a idéia de que a escola seria a chave para a solução dos problemas sociais. Sendo assim, houve uma tentativa de organizar um sistema nacional de ensino, cuja tarefa seria instalar e manter escolas em todos os povoados brasileiros.

Por diversos motivos isso não aconteceu, entre eles a descentralização total da instrução pública e o desejo do setor cafeeiro em diminuir o poder central em favor do mando local.

Somente em 1892, foi regulamentado um decreto que desde 12 de março de 1890 estabelecia uma reforma geral da instrução pública paulista., cujo maior objetivo era instalar escolas-modelo de 2º e 3º graus, inspirando-se em países como Alemanha, Suíça e Estados Unidos, fazendo a adaptação de seus métodos à nossa necessidade.



a) a instrução pública bem dirigida é o mais forte e eficaz elemento do progresso;

b) de todos os fatores da instrução popular, o mais vital, poderoso e indispensável é a instrução primária, largamente difundida e convenientemente ensinada;

c) sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz. (REIS FILHO apud SAVIANI, 2004, p. 24)





Isso levou à reforma da Escola Normal, pois a formação adequada de professores se tornou a pedra fundamental para a reorganização do ensino público. A eficácia da instrução coletiva dependia dessa qualificação para que ocorresse essa tão esperada regeneração do ensino.

Foram criados, ainda em 1892, grupos escolares que substituíram as escolas primárias isoladas, também chamadas de primeiras letras. Ou melhor, as escolas agora reunidas, formavam grupos. Segundo SAVIANI (2004), “uma escola era uma classe regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem.” (p. 24) Já um grupo escolar “tinha um diretor e tantos professores quantas escolas tivessem sido reunidas para compô-lo.” (idem, p.25) Esses grupos escolares eram seriados, os alunos passavam gradativamente de uma série para outra até a conclusão da última, 4ª série da instrução pública paulista.

Com origem em São Paulo esses grupos se disseminaram pelos demais estados, mas se tornaram um “fenômeno tipicamente urbano” (idem, p.28), pois no meio rural ainda prevaleciam as escolas isoladas. Mas isso se deu em caráter provisório, o que levou os grupos escolares a serem então conhecidos como escolas primárias, sendo os dois termos tratados como sinônimos.



1.2- Regulamentação Nacional do Ensino e o Ideário Pedagógico Renovador (1931 – 1961)

A 1ª Constituição define o ensino público como leigo, abolindo o ensino religioso das escolas oficiais, mas com a implantação do Ministério da Educação e Saúde Pública, o ensino religioso foi restabelecido.

Em 1931, o ministro da Educação e Saúde pública, baixou um conjunto de decretos, chamados de Reforma Francisco Campos. As leis de Campos foram: pelo Decreto nº 19.850 (11/4/1931), ele criou o Conselho Nacional de Educação; pelo decreto nº 19.851 (11/4/1931), dispôs itens regulamentando e organizando o Ensino Superior, adotando o “regime universitário”, logo após, com o Decreto nº 19.852 (11/4/1931), organizou a Universidade do Rio de Janeiro, com o Decreto nº 19.890 (18/4/1931), organizou o ensino secundário, com o Decreto nº 20.158 (30/6/1931), organizou o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador e outras. Nessa reforma o ensino primário não foi contemplado.



1.2.1- “A Reconstrução Educacional do Brasil – ao povo e ao governo”

Em 1932, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, cujo objetivo era realizar uma reconstrução social pela reconstrução educacional, abrangendo os diferentes níveis de ensino, desde a educação infantil até a universidade. “Contra a escola tradicional, o Manifesto defendeu a escola socializada”, ou seja, a escola “reconstruída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana.” Assim a escola poderia “restabelecer entre os homens o espírito da disciplina, solidariedade e cooperação” realizando uma “profunda obra social que ultrapassa o quadro estreito dos interesses de classes.” (AZEVEDO apud GHIRALDELLI JR., 2003, p.34).

Ainda segundo AZEVEDO (idem, ibidem) o Manifesto estabeleceu dois tipos de escola:

- a escola tradicional, voltada aos interesses classistas, em que a educação era um privilégio fornecida a condição econômica e social do indivíduo;

- a escola socializada, cuja educação parte do caráter biológico, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de suas origens sociais e econômicas.

Esse Manifesto é um documento em defesa da escola pública, com uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública.

Em 1934, Gustavo Capanema deu seqüência ao processo de reforma educacional, ao substituir Francisco de Campos no Ministério da Educação.



Por essas reformas o ensino primário foi desdobrado em ensino primário fundamental e ensino primário supletivo. Para o primário fundamental, destinado a crianças entre 7 e 12 anos, foram previstas duas modalidades: o ensino primário elementar com duração de 4 anos e o ensino primário complementar, de apenas um ano, acrescentado ao curso primário elementar. O ensino primário supletivo, com a duração de dois anos, destinava-se a adolescentes e adultos que não haviam tido a oportunidade de freqüentar a escola na idade adequada. O ensino médio ficou organizado verticalmente em dois ciclos, o ginasial, com a duração de 4 anos, e o colegial, com a duração de 3 anos e, horizontalmente, nos ramos secundário e técnico-profissional. O ramo profissional sub-dividiu-se em industrial, comercial e agrícola, além do normal que mantinha interface com o secundário. (SAVIANI, 2004, p. 37 – 38)







1.3- Unificação Normativa da Educação Nacional e a Concepção Produtivista de Escola (1961 – 1996)

Várias experimentações no ambiente educativo marcaram a década de 1960, como a criação de colégios de aplicação, ginásios vocacionais, colocando a pedagogia em ebulição.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 4.024 / 61) foi a primeira a englobar todos os graus e modalidades do ensino, após 13 anos de discussão. Suas características são, de acordo com PILETTI (2003):

- objetivos do ensino inspirados nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade;

- modificação na estrutura do ensino: pré-primário (até os sete anos); primário (quatro a seis anos de duração); ensino médio: ginasial de quatro anos e colegial de três anos; superior (graduação e pós-graduação);

- conteúdos curriculares diversificados, contendo algumas matérias obrigatórias.

A Lei 5.692 / 71 reformou a ensino primário e médio, tendo como seus princípios básicos:



a) integração vertical (dos graus, níveis e séries de ensino) e horizontal (dos ramos de ensino e das áreas de estudo e disciplinas);

b) continuidade (formação geral) – terminalidade (formação especial);

c) racionalização – concentração, voltado à eficiência e produtividade com vistas a se obter o máximo de resultados com o mínimo de custos;

d) flexibilidade;

e) gradualidade de implantação;

f) valorização do professorado;

g) sentido próprio para o ensino supletivo (SAVIANI, 2004, p.43).





Na década de 1960, a educação passou a ser vista como algo decisivo para o desenvolvimento econômico do país. Em seguida, na década de 70, buscou-se subordinar a educação aos interesses da classe dominante, reforçando as relações de exploração. Uma década mais tarde, justifica-se a existência da escola para formação da cidadania.

Gaudêncio Frigotto (1984) estabelece um vínculo entre escola e trabalho, sintetizando sua tese em seu livro Produtividade da Escola Improdutiva, pois para ele “a escola (imediatamente) improdutiva é (mediatamente) produtiva.” (idem, ibidem, p. 50)







CONCLUSÃO

O maior desafio que enfrentamos no século XXI é resolver as heranças deixadas no ambiente educacional desde o séc. XIX. A tarefa prioritária é “organizar e instalar um sistema de ensino capaz de universalizar o ensino fundamental e por esse caminho, erradicar o analfabetismo.” (FRIGOTTO,1984, p. 53)

O Art. 214 da Constituição Brasileira (CF / 1988) enfatiza que,

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzem à:

I- erradicação do analfabetismo;

II- universalização do atendimento escolar;

III- melhoria da qualidade do ensino;

IV- formação para o trabalho;

V- promoção humanística, científica e tecnológica do país.





Mas, em resposta a esse artigo, NISKIER ressalta sua grande revolta, afirmando:



Não é verdade que o ensino fundamental tenha sido universalizado. A mídia aceitou essa propaganda sem fazer as verificações devidas. E nem uma palavra sobre a péssima qualidade do que foi ministrado, sob orientação oficial, com livros discutíveis e mal distribuídos. Assim, não há santo que dê jeito. (Artigo do Jornal O Globo. Março, 2005)



Conforme acentua KRAMER (2001), “Educação digna e de qualidade, saúde, terra, água e esgoto, moradia são ainda direitos proclamados, mas não fatos concretos.” (p.21)

Temos, então, que considerar as lições do passado para viabilizar o projeto do futuro, pois a escola espelha a sociedade em que se insere.

A busca de uma escola com compromisso e comprometimento, que respeita e sabe trabalhar cotidianamente com pluralidade, deve deixar de ser uma utopia. Para isso KRAMER sugere que façamos “um movimento por uma escola que ensine a tolerância, o reconhecimento das diferenças, numa perspectiva intercultural, mais do que necessária nesse momento.” (idem, ibidem, p. 28)

NISKIER (2005) em seu artigo também preconiza a necessidade de uma modificação urgente, “Devemos reformar tudo, na educação brasileira. Isso não se resolve com leis demagógicas ou o exercício acadêmico sem profundidade.” (O Globo – Março, 2005)

Um trabalho efetivo e contínuo é indiscutivelmente necessário para essa reformulação de valores e uma grande virada na Educação Brasileira.



BIBLIOGRAFIA



GHIRALDELLI JR., Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira. São Paulo: Editora Manole, 2003.



KRAMER, Sonia. Escola Hoje: Questionamentos e Buscas. Rio de Janeiro: PUC, 2001.

NISKIER, Arnaldo. Precisa-se de Milagre na Educação. O Globo, Rio de Janeiro, março / 2005. 1º Caderno, p.8.



PILETTI, Nelson. História da Educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2003.

SAVIANI, Dermeval. O Legado Educacional do Século XX no Brasil. São Paulo: Autores Associados Ltda., 2004.

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